Melville
parece estar em alta para o mercado editorial. Só recentemente foram lançadas 3
traduções de Bartleby, sem contar as independentes; foi lançada também Jaqueta
Branca, romance inédito em terras tupiniquins, dentre outras edições do
clássico Moby Dick. Melville é o clássico autor de Moby Dick, que caudalosamente
trata em seu romance homônimo até onde o ser humano pode ir com a experiência
da vingança.
Enquanto
que a Editora Grua classifica a obra como uma novela, A Autêntica classifica-a
como um conto. Esta edição aqui comentada e lida é classificada pela Editora
José Olympio como um romance americano. É aqui, pois, que reside uma aporia
acadêmica na qual eu gostaria de me ater antes de adentrar mais especificamente
na obra. Seja como for, na presente edição, apresentada pelo grande ficcionista
Jorge Luis Borges, o qual categoriza afirmando que "Bartleby já define um
gênero que Franz Kafka reinventaria e aprofundaria a partir de 1919: o das
fantasias do comportamento e sentimento ou, como agora lamentavelmente se diz,
psicológicas."
Deleuze
(1997) ainda afirma em Crítica e Clínica que
Bartleby não é uma metáfora do
escritor, nem símbolo de coisa alguma. É um texto violentamente cômico, e o cômico
sempre e literal. É como uma novela de Kleist, de Dostoievski, de Kafka ou Beckett,
com os quais forma uma linhagem subterrânea e prestigiosa. Quer dizer aquilo
que diz, literalmente. E o que ele diz e repete e PREFERIRIA NAO, I would
prefer not to. É a formula de sua glória, e cada leitor apaixonado a repete por
seu turno. Um homem magro e lívido pronunciou a formula que enlouquece todo o
mundo.
Explanado
isso, vamos à obra.
A narrativa
(vamos doravante assim chamá-la diante da questão dos gêneros), apresenta
alguns problemas pertinentes à nossa vida peculiar de um cotidiano
infernalmente preenchido de trabalho. O personagem narrador da obra, um
advogado de sucesso em Wall Street apresenta-nos um curioso escritório no qual
trabalham figuras excêntricas e peculiares. No início da narrativa (pág. 14), o
narrador nos adverte que “não há material suficiente para uma biografia
completa e satisfatória desse homem (Bartleby)”. Assim, de acordo com o advogado, a sua história é um documento
literários, não moral, legal ou pessoal.
Melville
pega um fato corriqueiro (a contratação de um funcionário) e transforma isso em
uma pérola literária. O simples fato do personagem homônimo à obra postergar
sempre suas atividades revela como somos parecidos com ele no cotidiano.
A história
desenrola-se na cidade de Nova York, mais ou menos no final do século XIX,
mais precisamente no famoso centro comercial Wall Street, daí o subtítulo da
obra que algumas editoras usam. A narrativa tem como espaço predominante o
escritório do advogado, que é o narrador do livro. Com ele trabalham três auxiliares
que lhe ajudam na escrituração e cópia de documentações: Nippers, Turkey, e um
garoto esperto e carismático Ginger Nut.
Cada
um desses personagens contém em si características que o fazem ser cômicas no
início. Desde um que muda de humor conforme o horário até aquele que, zangado,
bate com os punhos na mesa de madeira. São pessoas em sua maioria simples, mas
que trazem em si o germe de uma ambiência carregada de mistério. Nippers possui
indisposição intestinal e por isso comete muitos erros nas cópias. Turkey, age
de forma (in)diferente no turno da tarde. Inclusive o advogado já tentara demiti-lo,
mas não obteve sucesso, de modo que o funcionário continuou no escritório, mas
com alterações de tarefas. Com o acúmulo de trabalho, já que o advogado é
nomeado como Oficial do Arquivo Público, ele vê a necessidade de contratar mais
um funcionário como copista. É aqui, pois, que entra em cena, o misterioso e
excêntrico Bartleby.
Para equilibrar
o clima organizacional do escritório, o advogado prefere colocar o biombo de
Bartleby perto de sua mesa, deixando os demais funcionários no outro lado da
sala separada por uma parede de vidro. Com isso, a presenta de um homem mais
sério seria a justificativa para o advogado harmonizar o humor. No entanto,
Bartleby reage quase sempre com uma frase lacônica e negativa aos pedidos do
patrão; “Preferia não fazê-lo”.
Atônito,
o narrador assiste àquelas declarações do funcionário que se nega, por exemplo,
a conferir a cópia da escritura que ele mesmo fizera antes. Como uma oração,
Bartleby vai respondendo sempre que solicitado e assim vai mudando a estrutura
burocrática do escritório, uma vez que os demais funcionários questionam e
reclamam. No decorrer da narrativa não sabemos onde Bartleby mora, nem o que
come, já que ele nunca sai nos intervalos para fazer refeição. Mas um dia o
advogado descobre que Bartleby reside no próprio escritório. Perplexo, ele
tenta dialogar com Bartleby e pede que ele conte de sua vida, pois ele só quer ajuda-lo.
Bartleby, porém, nada responde, a não ser o seu código de “preferia não fazê-lo”.
Algo de kafkiano existe nessa personagem que, incapaz de responder de forma
objetiva, carrega em si uma certa melancolia.
O advogado
decide, assim que tem a oportunidade, de conversar com o escrivão. Esta
conversa culmina com a demissão de Bartleby que, claro, nega-se a sair do
escritório, pois “prefere não fazê-lo”.
A partir
de então, a narrativa fica cada vez mais kafkiana. Ainda que o advogado mude de
endereço, demita Bartleby, ele se faz sempre presente na rotina do advogado,
pois mesmo no outro local de trabalho, o advogado é solicitado pelo novo
inquilino do antigo prédio do seu escritório a responsabilizar-se pela saída de
Bartleby, pois ele se recusava a sair do lugar onde estava. Assim, sem saída,
várias pessoas do prédio se reúnem e pedem a prisão de Bartleby.
O advogado
sempre acompanhou Bartleby, dando-lhe auxílio, mesmo que de forma indireta.
Muito tempo depois, o narrador descobre que Bartleby fui funcionário do Setor
de Cartas Devolvidas dos Correios, em Washington, do qual fora afastado por
mudanças na administração. Um espanto abate sobre o narrador que questiona a
metaforização da profissão à personalidade do escrivão: um encarregado de
encontrar nas cartas extraviadas o seu trabalho sustentável. Coerente com o
homem perdido, sem esperança que é Bartleby.
Temos
quase sempre a impressão de que “algo vai acontecer agora...”, quando na
verdade o inusitado já está acontecendo na narrativa.
O que
acontece no final da narrativa seria spoiler, mas não surpreende muito o leitor
o fato de um personagem introspecto e sisudo adotar uma postura maquinaria no
dia a dia. O final de Bartleby é triste e evidente, mas como o próprio narrador
nos fala, ele é a humanidade e a ela se dirige representando-a.
Com
a excelente tradução de A.B. Pinheiro de Lemos, a Editora José Olympio
prossegue com o seu trabalho de proporcionar ao leitor brasileiro boas edições
de clássicos da literatura universal. A capa reflete bem a atmosfera do livro e
a atitude do escrivão que leva o título da obra.
Nascido
em 1819, em Nova York, Herman Melville desde jovem sonhou ardentemente em
correr mundo. Obrigado a trabalhar por motivo de falecimento do pai, o futuro
viajante exerceu vários empregos modestos, até fazer sua primeira viagem, à
Inglaterra, quando tinha apenas quinze anos, e em 1841 já se dirigia aos Mares
do Sul. Foi capturado pelos selvagens de uma das ilhas daquelas longínquas
paragens, de onde conseguiu fugir para o Taiti. A fim de garantir seu sustento
ao regressar aos Estados Unidos, aceitou um emprego na Alfândega de Nova York,
lá trabalhando de 1866 a 1885. Morreu em 1891 na mesma cidade onde nascera.
Virtualmente ignorado em seus próprios dias, Herman Melville teve o valor de
sua obra literária reconhecido pelos críticos dos anos 1920, que o consideraram
um dos maiores escritores do século XIX.
CURIOSIDADES:
Em março do ano de 1853, o escritor americano
Herman Melville publica pela primeira vez, na Putnam’s Monthly Magazine, de
Nova York, seu famoso conto (?) “Bartleby”, traduzido para a língua portuguesa
como “Bartleby, o escrivão”.
O estudioso Johannes Dietrich
Bergmann assinalou semelhanças entre "Bartleby" e The
Lawyer's Story , um romance sobre um advogado e um scrivener
problemático serializado noSunday Dispatch em 1853. De acordo com
Bergmann, "TheBartleby" foi publicado em 1853 em duas
partes nas edições de novembro e dezembro da Revista de Putnam ,
anonimamente, sem nenhuma nota sobre o gênero.
INDICAÇÕES:
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FONTES:
KAHN, Andrew. Bartleby, o escrevente. SLATE, 22/10/2015. Acesso em 03 de maio de 2017. Disponível em http://www.slate.com/articles/arts/culturebox/2015/10/herman_melville_s_bartleby_the_scrivener_an_interactive_annotated_text.htmlSkoob
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