Pular para o conteúdo principal

O limite do excêntrico e do absurdismo no teatro de Harold Pinter


Harold Pinter, prêmio Nobel de Literatura de 2005 criou obras magistrais para serem encenadas nos palcos. Há algo de Beckett em suas peças de teatro e em A festa do aniversário e O Monta-Cargas isso fica bem nítido desde a entrada de Petey em cena. Harold Pinter, porém, deu às suas obras um caráter tão intrínseco que o teatro recebeu um adjetivo que lhe homenageia. O “pinteresco” refere-se às situações nas quais os personagens de Pinter são colocadas diretamente de frente ao inesperado.

A edição da José Olympio reúne duas importantes peças escritas por Pinter no ano de 1975. “A festa de aniversário” e “O monta-cargas” expõem exatamente as características do pinteresco.

O pinteresco também se aproxima do Teatro do Absurdo e Pinter, junto com Samuel Beckett e Tom Stoppard, imprime em sua obra uma tensão, uma incompreensão da existência e do enredo. O Teatro do Absurdo pode assim ser definido:

Um mundo que pode ser explicado pelo raciocínio, por mais falho que seja este, é mundo familiar. Mas num universo repentinamente privado de ilusões e de luz o homem se sente um estranho. Seu exílio é irremediável, porque foi privado da lembrança de uma pátria perdida tanto quanto da esperança de uma terra de promissão futura. Esse divórcio entre o homem e sua vida, entre o ator e seu cenário, em verdade constitui o sentimento do Absurdo (CAMUS, A. apud ESSLIN, 1968: 19).

É justamente essas características de falta de expectativa futura que se pode perceber em “A festa de aniversário” e “O Monta Cargas”. O apresentador da presente edição editada pela excelente José Olympio comenta que “mesmo num quadro de aparente precisão e os textos dele são de extrema precisão – as interpretações são tão inúmeras quanto os indivíduos, porque cada um de nós – pirandellianamente falando – tem sua própria verdade.”

Neste mundo Pinteresco, a verdade pisada quase não se comunica com o que de fato pode acontecer com as personagens tão aquém de seus próprios destinos.

A primeira peça do livro “A festa de aniversário” vai da página 17 até a 127 e conta basicamente como Meg (esposa dedicada) e Petey (marido super sério), donos de uma pensão à beira-mar em algum lugar da Inglaterra, cuidam de forma tão primorosa do único hóspede da pousada, Stanny Webber, um hóspede também sisudo e que no passado foi um pianista. É seu aniversário (mas ele mesmo não sabe, ou diz não lembrar disso). A repetição dos hábitos, das frases e dos comportamentos das personagens é quebrada com a chegada de dois misteriosos visitantes que mudam radicalmente a ordem das coisas. Goldberg (judeu esperto e interesseiro) e McCann (submisso às ordens de Goldberg) originam uma série de mudanças. De diálogos quase incompreensíveis a uma festa regada a álcool e alienação, a peça tem um final inesperado e caótico.

A peça “A festa de aniversário” foi a primeira grande obra do autor estreou no Arts Theatre em 1958, em 1968 foi adaptada para o cinema pelo diretor William Friedkin e em 1987 foi produzida e transmitida pela BBC.

Já a segunda peça do livro é bem mais curta e pega pouco mais de 40 páginas. “O Monta-Cargas” apresenta um encontro de dois criminosos profissionais à espera de ordens para executar um suposto plano futuro. Toda a ação se desenrola num quarto de hotel. Bem e Gus conversam sobre suas ações, a organização criminosa e os planos para o próximo trabalho. Com um diálogo excêntrico e misterioso a peça também causa um estranhamento bem embaraçoso em quem lê, sobretudo na ambiguidade do desfecho da narrativa teatral. Com essas duas peças, Pinter causou estranheza com sua maneira de criar peças teatrais, dando nó na cabeça dos expectadores e mais ainda de quem lê.

A edição conta com textos de orelha escritos por Alexandre Tenório, o mesmo tradutor da obra. A apresentação do livro, como já foi dito, informa os pressupostos de uma peça de Pinter, bem como algumas informações primárias acerca das duas peças teatrais. Tudo isso colabora para que o leitor, enfim, possa compreender o mínimo possível de duas peças que causam estranheza em quem tem contato pela primeira vez (eu, por exemplo) com a obra do dramaturgo britânico. Se a editora se dispuser a publicar toda a obra de Pinter com o mesmo designer e tradução, a coleção vai ficar rica e linda, mesmo sabendo que o brasileiro quase não lê peça de teatro. Mas será uma grande empreitada, bem como uma excelente trabalho editorial.

SOBRE O AUTOR:

Harold Pinter foi um dramaturgo, roteirista, poeta, ator, diretor e ativista político britânico. Escreveu para teatro, televisão, rádio e cinema. Entre suas peças mais famosas estão “Betrayal” [Traição], de 1978, e “The homecoming” [Volta ao lar], de 1964, ambas adaptadas para o cinema. Em 2002 recebeu o Prêmio Companion of Honour da rainha da Inglaterra pelos serviços prestados à literatura e, em 2005, venceu o Prêmio Nobel de Literatura.


FONTE E REFERÊNCIAS:


ESSLIN, Martin. O teatro do absurdo. Trad. Bárbara Heliodora. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

[Curiosidades] Xingamentos em um português culto

Se é pra xingar, vamos xingar com um português sofisticado. Aqui neste post você vai ler algumas palavras mais cultas e pouco usadas quando se quer proferir uma série de palavrões onde a criatura não entende patavina nenhuma. Antes, porém, de você aprender algumas palavrinhas, conheça esta historieta: Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal. Chegando lá, constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos, disse-lhe:  - Oh, bucéfalo anácrono!Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o

Resistência do amor em tempos sombrios

Terceiro e último livro de uma trilogia que a escritora gaúcha iniciou com A casa das sete mulheres, o volume Travessia encerra a Trilogia Farroupilha com um personagem que, no dizer da autora, é comum a toda a história: Garibaldi, este carismático personagem que aparece no início do primeiro livro, quando principia um amor platônico com a meiga Manuela, a filha do Bento Gonçalves. Mas como já acompanhamos nos volumes anteriores, a família da moça não compactua com o romance, impedindo, pois, o contato de ambos. Se no primeiro livro a escritora se atém a contar a história da família concomitante à Revolução Farroupilha, tendo como cenário a Estância da Barra, a casa na qual ficaram 7 mulheres da família de Bento Gonçalves, no segundo volume já temos como plano histórico a Guerra do Paraguai, além de mudar a perspectiva para o romance de Giuseppe e Anita, a mulher atemporal que provoca uma paixão no general e guerreiro italiano. Ana Maria de Jesus Ribeiro, ou Anita, sempre dava um

De Clarice Lispector para Tania Kaufmann

Conforme eu tinha anunciado ha meses, o blog Papos Literários divulgará com frequência uma série de cartas famosas do mundo da literatura ou da música. Hoje trago na íntegra a carta de uma das escritoras mais queiridinhas dos brasileiros, além de ser famigerada nestes tempos de facebook ee twitter. Confira a f amosa carta de Clarice para a sua irmã Tania Kaufmann. Clarice em sua árdua tarefa de escrever _____________________________________________ A Tania Kaufmann Berna, 6 janeiro 1948 Minha florzinha, Recebi sua carta desse estranho Bucsky, datada de 30 de dezembro. Como fiquei contente, minha irmãzinha, com certas frases suas. Não diga porém: descobri que ainda há certas frases suas. Não diga porém: descobri que ainda há muita coisa viva em mim. Mas não, minha querida ! Você está toda viva! Somente você tem levado uma vida irracional, uma vida que não parece com você. Tania, não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar